Inteiro Teor
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Registro: 2014.0000610487
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0008322-92.2007.8.26.0477, da Comarca de Praia Grande, em que é apelante CONDOMÍNIO EDIFÍCIO CLEÓPATRA, é apelado SONIA MARIA DA SILVA.
ACORDAM , em sessão permanente e virtual da 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores MIGUEL BRANDI (Presidente sem voto), WALTER BARONE E HENRIQUE NELSON CALANDRA.
São Paulo, 29 de setembro de 2014.
Mary Grün
Relatora
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
VOTO Nº: 1301
APELAÇÃO Nº: 0008322-92.2007.8.26.0477
COMARCA: PRAIA GRANDE
APTE. : CONDOMÍNIO EDIFÍCIO CLEÓPATRA
APDO. : SONIA MARIA DA SILVA
Condomínio. Ato ilícito. Retirada de placas, letreiros e luminosos, sem anuência da proprietária do estabelecimento comercial. Atitude ilícita e arbitrária do Condomínio. Deliberação em reunião do conselho consultivo. Ausência de assembleia geral de condôminos. Ato que sequer encontra respaldo em convenção condominial. Deliberações assembleares que não podem colidir com normas cogentes. Danos materiais. Ressarcimento quanto ao valor gasto para reinstalação das placas. Lucros cessantes não comprovados. Dano moral caracterizado. Montante bem fixado. Critérios de prudência e razoabilidade. Recurso desprovido.
Vistos .
Trata-se de apelação contra sentença que julgou
parcialmente procedente ação de reparação por danos morais e
materiais condenando o Condomínio-réu ao pagamento do valor
de R$660,00 (seiscentos e sessenta reais), referente à colocação
das placas, corrigido desde o desembolso, bem como ao
pagamento do valor de R$12.750,00 (doze mil, setecentos e
cinquenta reais), a título de danos morais, com juros de mora da
citação, acrescido das custas, despesas processuais e honorários
advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor da condenação.
R e c o r r e o C o n d o m í n i o – r é u .
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Sustenta que a retirada de letreiros e luminosos da fachada externa do Condomínio foi devidamente aprovada em reunião do Conselho. Aduz que a administradora do Condomínio notificou a autora por ter descumprido as normas da Convenção com a indevida instalação das placas e luminosos na área comum do Edifício, alterando a fachada do mesmo. Argumenta que antes de alugar o imóvel, a autora deveria ter se certificado quanto à possibilidade de se colocar esses materiais na área comum do Condomínio. Insiste na ausência de ilicitude com o cumprimento das normas do Condomínio. Aduz inexistência de danos morais; por fim, quer a reforma da sentença ou a redução dos danos morais.
Tempestivo, o recurso foi regularmente processado, com resposta, fls.142/146.
É o relatório .
Trata-se de ação de reparação de danos materiais e morais.
Alega a autora que é locatária de um imóvel no Condomínio-réu, especificamente uma loja no térreo, onde explora pequeno comércio, tendo instalado luminosos e letreiros de propaganda. Conta que arbitrariamente o Condomínio-réu, retirou as placas e luminosos de seu estabelecimento comercial o que eclodiu em boletim de ocorrência pela prática de furto qualificado contra o mesmo. Assevera ilegalidade do ato tendo que arcar com os custos da reinstalação. Aduz que, como c o n s e q u ê n c i a , p e r m a n e c e u c o m s e u e s t a b e l e c i m e n t o c o m e r c i a l
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fechado por uma semana. Pleiteia indenização pelos danos morais e materiais decorrentes.
O Condomínio-réu, por sua vez, alega que a ré não agiu conforme a convenção condominial e legislação pertinente. Informa que em assembléia do condomínio, realizada em 24.02.2007, com a presença do proprietário-locador da loja, foi aprovada a desocupação das áreas comuns do edifício, ou seja, lateral e frente das lojas, bem como a retirada de qualquer tipo de placa que alterasse a fachada do Edifício, sendo que as áreas comuns são poderiam ser exploradas comercialmente. Afirma que a autora altera a verdade dos fatos, pois os equipamentos estavam à disposição no Condomínio. Assevera ausência de ato ilícito e, portando, do dever de reparar danos.
O cerne da questão reside no fato de ter o Condomínio agido com ilicitude ao retirar, sponte própria, os materiais de propaganda do estabelecimento comercial da autora.
Compulsados os autos, verifica-se incontroversa a alegação da autora quanto à pratica do referido ato pelo ora apelante, que ocorreu sem a sua anuência.
o contrário do alegado pelo apelante, não há nos autos prova que legitime a atitude perpetrada pelo Condomínio.
Nesse aspecto, bem observou o MM. Juízo a quo:
“A convenção condominial e a decisão assemblear invocadas pelo réu não excluem a ilicitude de sua conduta.
S e g u n d o , p o r q u e a s s e m b l é i a n ã o
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houve, mas mera ‘reunião de membros do conselho’, como se pode extrair da ata de fls. 83.
Terceiro, porque evidentemente nem a assembléia, nem o Condomínio, possuem amparo jurídico para, sponte própria, desapossar a autora de seus equipamentos.” (fl.122-sic)
Sob essa ótica, evidente a ilicitude do ato e a arbitrariedade perpetrada pelo Condomínio ao retirar os materiais da autora, sem sua anuência.
Com efeito, tanto a convenção de condomínio como as decisões assembleares, ainda que unânimes, não se legitimam pela mera concordância. Impõe-se que suas determinações não contrariem disposição expressa de lei.
A respeito plenamente aplicável ao caso o ensinamento de SÍLVIO VENOSA: “…não existe plena liberdade dos interessados na elaboração da convenção. H á imposições cogentes…devem ser consideradas nulas as disposições da convenção, e conseqüentemente também do regulamento interno, que contrariem norma impositiva… L evando-se em conta o caráter normativo da convenção, as regras que orientam sua interpretação são de hermenêutica das leis. Leva-se em conta a interpretação gramatical, sistemática, teleológica e histórica. Com muita freqüência, o juiz é
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chamado a interpretar disposições de normas condominiais ”
Nesse aspecto, segundo o Código Civil, comete ato ilícito:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que 1
In Direitos Reais, Direito Civil, v.5, ed. Atlas, pág. 334, São Paulo, 2008.
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exclusivamente moral, comete ato ilícito.
E, ainda que assim não fosse, ou seja, ainda que a situação sub judice evidenciasse inequívoco direito do Condomínio, o que não está em discussão e cuja apreciação requer ação própria, a hipótese ensejaria o chamado abuso de direito, que segundo a doutrina caracteriza-se no desequilíbrio do exercício de um legítimo direito pelo seu titular, conforme disposto no art. 187 do Código Civil, a saber:
“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela bo -fé ou pelos bons costumes.”
Nesse contexto, explica GILBERTO R. L. FLORÊNCIO:
“o direito há de ser exercido por seu titular de forma equilibrada, norteado sempre de boa fé, pela probidade e pelos bons costumes. Além disso, nasce o direito da necessidade da convivência pacífica entre os homens ser social que é (ubi societas ibi jus). Portanto, é necessário que sejam respeitados os limites sociais e éticos impostos à atividade individual na vida em sociedade.” 2
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I n Código C ivil I nterpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo. Costa Machado, organizador; Silmara Chinellato, coordenadora – 5ª ed. B a r u e r i S P : M a n o l e , 2 0 1 2 , p . 1 8 8 .
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Portanto, evidenciado o ato ilícito e o dano da conduta perpetrada pelo apelante, nasce o dever de indenizar.
Quanto aos danos materiais, pretende a autora, ora apelada, o ressarcimento aos prejuízos decorrentes da reinstalação do material, placas, no valor de R$660,00 (seiscentos e sessenta reais), bem como lucros cessantes no valor de R$8.000,00 (oito mil reais), esses, alegando que permaneceu com o estabelecimento fechado após a retirada das placas.
Entretanto, são devidos os danos materiais apenas quanto aos valores comprovadamente gastos na reinstalação das placas, conforme recibo de fls.38.
Isso porque, não há provas de que a autora deixou de auferir a aludida quantia (R$8.000,00) pela ausência das placas e, também não é crível que esse fato tenha acarretado o fechamento de seu estabelecimento comercial por oito dias.
No que tange aos danos morais, explica YUSSEF SAID CAHALI:
“na realidade, multifacetário o ser anímico, tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em
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linha de princípio, como dano moral” .
Na hipótese, a arbitrariedade da conduta do apelante em retirar, sem autorização da autora, os materiais se seu estabelecimento comercial importa em evidente abalo moral
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CAHALI , Yussef Said. Dano M oral. 2a ed. 3ª tir. São Paulo: R evista dos T r i b u n a i s , 1 9 9 9 , p . 2 0 .
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e extrapola o mero aborrecimento.
Portanto, diante do quadro impõe-se o dever de compensação dos danos causados, servindo o valor desta para alentar a lesada e também para inibir a reiteração da conduta ilícita pelo ofensor. Em atenção a estas premissas e, ainda, à vedação do valor da reparação representar enriquecimento sem causa, o valor indenizatório foi bem fixado e deve ser mantido, tal como disposto na sentença.
Outros fundamentos são dispensáveis diante da adoção integral dos que foram deduzidos na sentença, e aqui expressamente adotados para evitar inútil e desnecessária repetição, nos termos art. 252 do Regimento Interno desta Corte.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso.
MARY GRÜN
Relatora