Inteiro Teor
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Registro: 2016.0000496675
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 0002742-44.2013.8.26.0001, da Comarca de São Paulo, em que é apelante/apelado CONDOMÍNIO RESIDENCIAL OVERVIEW, são apelados/apelantes JOÃO EDUARDO RODRIGUES DE FREITAS LUIZ e PRISCILLA QUEDAS DE FREITAS LUIZ.
ACORDAM , em 35ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao apelo do condomínio e deram parcial provimento ao apelo adesivo, v. u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores ARTUR MARQUES (Presidente) e FLAVIO ABRAMOVICI.
São Paulo, 18 de julho de 2016
RAMON MATEO JÚNIOR
RELATOR
Assinatura Eletrônica
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Voto nº 12946
Apelação nº 0002742-44.2013.8.26.0001
Aptes: Condomínio Residencial Overview e
João Eduardo Rodrigues de Freitas Luiz e/o
Apdos.: os mesmos
Comarca: São Paulo
Juiz: Vincenzo Bruno Formica Filho
Apelação – Declaratória de Inexistência de Débito (Multa Condominial) c/c Indenização por Danos Morais Sentença extra petita Não se vislumbra que a r. sentença recorrida ao determinar que o pagamento da multa deveria ficar suspenso até o julgamento do recurso pela assembleia condominial, tenha extrapolado os limites do pedido Condômino que utiliza o salão de festas e a churrasqueira simultaneamente, podendo realizar a decoração e a organização da sua festa como melhor entender, pois não houve qualquer prejuízo ao Condomínio – Não caracterização de ilícito a ensejar a aplicação da multa Penalidade Afastada Recurso contra a imposição da multa julgado por Conselho Consultivo em evidente afronta à Convenção Condominial Dano Moral Inexistente Apelação do Condomínio Desprovido Apelo Adesivo dos Autores Parcialmente Provido.
Trata-se de recurso de apelação interposto
por Condomínio Residencial Overview nos autos da ação declaratória
que lhe move João Eduardo Rodrigues de Freitas Luiz e Priscila Quedas
de Freitas Luiz, contra a r. sentença de fls. 265/268 que assim dispôs:
Assim sendo e considerando o que mais dos autos consta, julgo parcialmente procedente, nos termos o art. 269, inc. I, do Código de Processo Civil, a demanda proposta por João Eduardo Rodrigues de Freitas Luiz e Priscilla Quedas de Freitas Luiz contra Condomínio residencial Overview para declarar a inexigibilidade da cobrança de multa até o julgamento do recurso pela assembleia condominial, devendo-se
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devolver o prazo aos autores, confirmando-se a decisão antecipatória. Em razão da sucumbência recíproca, condeno o réu ao pagamento de 50% das custas e das despesas processuais; sem condenação ao pagamento de honorários de advogado, porque compensados entre si.
Aviados embargos de declaração pelos
autores (fls. 271/274), foram rejeitados pela decisão de fls. 276.
Irresignado, o condomínio réu interpôs recurso de apelação (fls. 278/289), sustentando, em apertada síntese apresentou julgamento extra petita, pois, além de declarar a inexigibilidade da multa, acrescentou ao julgamento do recurso pela assembleia condominial, devolvendo-se o prazo aos autores, o que não consta do pedido inicial. Postulou que seja cassada a sentença, devolvendo-se os autos à origem para que outra seja proferida.
No mérito, discorreu que o condomínio
agiu de acordo com a convenção do condomínio (fls. 44/74) e com o regulamento interno (fls. 75/82) que dispõe que a síndica impõe a multa, a administradora envia a notificação e o conselho julga eventual recurso, sendo certo que, em alguns casos específicos o recurso é dirigido para a assembleia, o que não é o caso dos autos. Narrou que o Condomínio encaminhou a multa em envelope lacrado (fls. 99), agindo de acordo com a lei, inexistindo irregularidade. Narrou que os recursos a serem interpostos perante a assembleia geral são os dispostos nos parágrafos terceiro e quarto do art. 19 da convenção (fls. 44/74) e não toda e qualquer aplicação de multa, vez que no caso em apreço, o recurso deve ser reportado ao art. 17, § 5º do Regimento Interno (fls. 81), devendo ser analisado pelo conselho, o que não foi feito, não havendo qualquer irregularidade.
Pediu, ao final, o provimento do recurso, tornando nula a sentença, devolvendo-se à origem para que outra seja
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proferida ou, reformar a r. sentença, julgando improcedente a ação proposta, condenando, ainda, os autores em litigância de má-fé e, em honorários advocatícios.
O recurso foi contrariado (fls. 296/303),
rebatendo os apelados articuladamente as razões do inconformismo.
Apresentado Recurso Adesivo pelos autores (fls. 305/315), onde sustentaram que a “multa” que lhes foi aplicada não possui o mínimo de verossimilhança, com depoimento idôneo, com a capacidade de validar o ato praticado sem a prévia abertura do direito de defesa aos apelantes, nos termos da Convenção Condominial e da Constituição Federal de 1988.
Narraram que as alegações da
“administradora” estão lastreadas unicamente no depoimento unilateral tardio dos funcionários terceirizados, que estão sob o comando da atual síndica e que não há qualquer tipo de documento, vistoria, perícia ou reclamação idônea que embase tais alegações. Que houve uma condenação e execução sem direito de defesa. Que, em virtude dos atos praticados, os ora apelantes elaboraram os competentes Boletins de Ocorrência 17763/2013 e 17697/2013 para apuração e responsabilização das condutas.
Dispuseram que diante do transtorno,
cansaço, frustração e incômodo ocasionado aos apelantes, fazem jus à indenização por dano moral. Postularam, ao final, o provimento do apelo adesivo.
O recurso foi contrariado (fls. 332/338),
rebatendo o condomínio apelado articuladamente às razões do apelo adesivo.
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É o Relatório.
Voto.
Apelação do Condomínio Réu:
No tocante a alegação de nulidade da
sentença em razão da apreciação extra petita, vale anotar que os
autores na petição inicial fazem o seguinte pedido (item 111, c.1):
Que o réu cumpra a Convenção Condominial e fique obrigado a não cobrar o valor da multa em razão do cerceamento de defesa, declarando-se o valor da multa como inexigível, bem como para condenar o réu no pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios de acordo com a dignidade da advocacia.
O artigo 128 do Código de Processo Civil de
1.973, vigente na data da prolação do julgado, ao estabelecer limites à
atividade jurisdicional, assim dispõe:
“O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte.”
Humberto Theodoro Jr leciona:
“A sentença extra petita incide em nulidade porque soluciona causa diversa da que foi proposta através do pedido. E há julgamento fora do pedido tanto quando o juiz defere uma prestação diferente da que lhe foi postulada como quando defere a prestação pedida mas com base em fundamento jurídico não invocado como causa do pedido na propositura da ação. Quer isto dizer que não é lícito ao julgador alterar o pedido, nem tampouco a causa petendi.” (Curso de Direito Processual Civil – Volume I; 53.ª edição; Editora Forense; Rio de Janeiro; 2012; pg. 539).
Nessa ordem de ideia, não se vislumbra
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que a r. sentença recorrida ao determinar que o pagamento da multa deveria ficar suspenso até o julgamento do recurso pela assembleia condominial, tenha extrapolado os limites do pedido, razão pela qual não há que se falar em nulidade para que outra sentença seja proferida.
De seu turno, também não há que se falar
em decreto da improcedência, pelas razões que serão discorridas no recurso adesivo, a seguir.
Do Apelo Adesivo:
Denota-se dos autos que houve a interposição de recurso pelos autores contra multa (fls. 112/117), sobrevindo à decisão de fls. 118/121, subscrita pelos conselheiros, síndica, subsíndico e administradora (Conselho Consultivo).
Ocorre que ao contrário do que sustentado pelo Condomínio autor, patente a ilegalidade tanto na imposição da multa quanto no julgamento do recurso.
A ilegalidade na imposição da multa, se dá
ao fato de que o art. 19, item 1, da Convenção do Condomínio é claro ao deliberar que cada condômino se obriga a não usar das coisas comuns para fins diversos daqueles a que se destinam (fls. 61).
Pois bem. O ponto central da imposição da multa (fls. 99/100) cinge-se ao fato da retirada da mesa da churrasqueira, colocando-a no salão de festas.
Por primeiro, não se tem notícia de que a
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mesa tenha sido utilizada para fins diversos a que se destina, ou seja, a mesa foi utilizada para servir os alimentos em uma data festiva (Natal).
Em Ata de Assembleia Geral Extraordinária do Condomínio, realizada em 05/07/2012, restou aprovado que “ a pessoa que locar a churrasqueira usará o salão de festas e vice-versa”.
Logo, ao solicitar a utilização do espaço do
salão de festas, automaticamente os autores/apelados tiveram acesso ao espaço da churrasqueira, podendo realizar a decoração e a organização de sua festa (vide documento de fls. 35). A organização da festa compete exclusivamente ao condomínio anfitrião não se verificando qualquer irregularidade, pois a mesa apenas não foi retirada, mas apenas movida para outro local integrante do espaço locado, com a consequente devolução ao seu local ao término da festa. O condômino locou o espaço, pagando por isso, podendo, assim, utilizálo como bem entender, desde que não ocasione danos.
Se isso não bastasse, evidente que
Comissão Julgadora do Recurso (fls. 118/121), não atendeu ao disposto no artigo 41 e parágrafo único da Convenção do Condomínio:
Art. 41: É facultado ao interessado recorrer, por escrito, para a Assembleia Geral, dentro de 30 (trinta) dias contados do recebimento da comunicação da infração, recurso esse, com efeito suspensivo, a ser julgado pela primeira assembleia que se reunir, não se conhecendo os que forem interpostos fora do prazo; em caso excepcional gravidade, poderá ser convocada Assembleia Geral Extraordinária para julgar o recurso imediatamente.
Parágrafo Único: No julgamento do recurso, a Assembleia Geral procederá a uma instrução sumária e oral dos fatos de que tiver resultado a multa, ouvindo o administrador, o
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condômino em causa, testemunhas presentes e tomando conhecimento dos demais elementos de acusação e defesa existentes. Em seguida será julgada a multa, pelo voto da maioria.
Convém destacar que o magistrado
sentenciante assim dispôs:
Ora, prevendo a convenção, também, a atribuição da assembleia para tanto (art. 34, letra e), deve-se entender pela existência de uma atribuição cumulativa diante da necessidade de uma interpretação harmônica dos dispositivos.
Contudo, o julgamento do recurso é competência da assembleia condominial, nos termos do art. 34, letra d, da convenção.
Ressalte-se que, nos termos da convenção, o conselho consultivo não ostenta atribuição recursal (art. 32 da convenção).
A matéria relacionada à imposição de multas é reservada à convenção e não ao regulamento interno, motivo pelo qual se mostra equivocada a atribuição recursal ao conselho consultivo em flagrante oposição à convenção.
Havendo incompatibilidade entre convenção condominial e regulamento interno, àquela se deve dar prevalência, o que, no presente caso, acarreta a nulidade do julgamento do recurso pelo conselho consultivo.
Irretocável a conclusão a que chegou o
magistrado sentenciante no tocante a nulidade do julgamento do
recurso pelo Conselho Consultivo.
A convivência em condomínio é regida
pelas regras de vizinhança, pela Convenção Condominial e Regimento
Interno. Nesse aspecto, é extremamente importante a observância das
regras e, havendo dissonância entre a conduta do condômino e a lei
(incluída aí a Convenção Condominial e Regimento Interno), deverá
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aquela ser corrigida para se eliminar a ilicitude.
No caso em apreço, inexistiu qualquer conduta irregular do condômino para justificar a imposição da multa. Além do que não foi respeitada a regra do artigo 41 e seu parágrafo único da Convenção Condominial (fls. 72) no julgamento do recurso que está inexoravelmente adstrito ao que a Convenção determina. Por todos os ângulos em que se analisa a questão, a nulidade da imposição da multa é medida que se impõe.
No tocante ao dano moral, melhor sorte
não resta aos autores que apelaram adesivamente. O Dano Moral para a doutrina “ é a dor, a angústia, o desgosto, a aflição espiritual, a humilhação, o complexo que sofre a vítima de evento danoso, pois estes estados de espírito constituem o conteúdo, ou melhor, a consequência do dano. (…) O direito não repara qualquer padecimento, dor ou aflição, mas aqueles que forem decorrentes da privação de um bem jurídico sobre o qual a vítima teria interesse reconhecido juridicamente (Maria Helena Diniz, Curso de direito Civil, Responsabilidade Civil, 7º v., 18ª ed., Saraiva, p. 92)”.
Por fim, embora a multa aplicada tenha provocado aborrecimentos e transtornos aos recorrentes, não causou dano à imagem ou honra, tampouco provocou constrangimento e humilhação a ponto de configurar dano moral, pois é cediço que a vida em condomínio provoca por vezes, incômodo e chateação, todavia, não são sentimentos capazes de ensejar abalo moral.
Diante do exposto, NEGA-SE
PROVIMENTO ao apelo do condomínio autor. Por outro lado, DÁ-SE PARCIAL PROVIMENTO ao apelo adesivo, para declarar a nulidade da multa desde o lançamento, afastada qualquer pretensão da indenização
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por danos morais.
Tendo ambas as partes decaído de parte de
seus pedidos, cada qual arcará com os honorários de seus patronos e
com o pagamento das custas que despenderam.
Ramon Mateo Junior
Relator