Inteiro Teor
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
Seção de Direito Privado
31ª Câmara
1
Registro: 2019.0001018898
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação Cível nº 1004646-13.2019.8.26.0344, da Comarca de Marília, em que é apelante CONDOMÍNIO RESIDENCIAL JARDIM CAVALLARI, é apelada DENISE CANDIDO BRANDÃO (JUSTIÇA GRATUITA).
ACORDAM , em 31ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso, nos termos que constarão do acórdão. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmo. Desembargadores FRANCISCO CASCONI (Presidente) e JOSÉ AUGUSTO GENOFRE MARTINS.
São Paulo, 3 de dezembro de 2019.
Assinatura Eletrônica
ADILSON DE ARAUJO
RELATOR
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Apelação nº 1004646-13.2019.8.26.0344 (DIGITAL)
Comarca : Marília – 2ª Vara Cível
Juiz (a): Ernani Desco Filho
Apelante: CONDOMÍNIO RESIDENCIAL JARDIM CAVALLARI (réu)
Apelada: DENISE CANDIDO BRANDÃO (autora)
Voto nº 29.983
APELAÇÃO. DESPESAS DE CONDOMÍNIO. AÇÃO
DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE MULTA.
QUESTÃO PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE
DEFESA POR FALTA DE DILAÇÃO PROBATÓRIA.
DESNECESSIDADE. NULIDADE INEXISTENTE.
RECURSO IMPROVIDO. O juiz não está obrigado a
produzir todas as provas requeridas pelas partes,
caso as provas dos autos já sejam suficientes para ter
formado sua convicção, podendo indeferir as que
considerar desnecessárias e procrastinatórias.
Ademais, no caso, a prova a documental mostra-se
suficiente para seguro julgamento.
APELAÇÃO. DESPESAS DE CONDOMÍNIO. AÇÃO
DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE MULTA.
PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E
CONTRADITÓRIO QUE DEVEM SER
OBSERVADOS NAS RELAÇÕES DE DIREITO
PRIVADO. ONERAÇÃO ANTES DA
OPORTUNIDADE DE DEFESA PRÉVIA.
POSSIBILIDADE DE APRESENTAÇÃO DE
RECURSO AO CONSELHO CONSULTIVO, SEM
EFEITO SUSPENSIVO, QUE NÃO SE CONFUNDE
COM DEFESA PRÉVIA. SENTENÇA MANTIDA.
RECURSO IMPROVIDO. A imposição da multa, antes
mesmo de oferecer oportunidade de discussão,
ofende regras comezinhas de direito. Os princípios do
contraditório e da ampla de defesa são basilares em
nossa sociedade e devem ser respeitados mesmo nas
relações de direito privado. O direito de defesa deve
ser prévio e não contemporâneo ou posterior à
imposição da penalidade.
DENISE CANDIDO BRANDÃO ajuizou
ação declaratória de inexistência de multa em face de CONDOMÍNIO
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RESIDENCIAL JARDIM CAVALLARI.
O ilustre Magistrado “a quo”, por r.
sentença de fls. 140/142, declarada às fls. 156/157, cujo relatório adoto, julgou procedente o pedido formulado na petição inicial, para declarar a nulidade e inexigibilidade da multa imposta pelo réu, no valor de R$ 297,00, tornando definitiva a tutela provisória concedida. Em razão da sucumbência, condenou o réu ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios que arbitrou por equidade em R$ 800,00, conforme disposto no art. 85, § 8º, do CPC.
Inconformado, recorre o réu, com
pedido de reforma, alegando que houve cerceamento de defesa em razão do julgamento antecipado da lide. Não se encontram presentes nenhuma das hipóteses previstas que ensejam o julgamento antecipado da lide, até porque a oitiva de testemunhas e depoimento pessoal são indispensáveis para a solução da lide, por se tratar de fatos a serem comprovados. Restou confirmada a prática de infração que ensejou aplicação da multa administrativa, diferentemente do que constou na sentença recorrida. Cientificou a autora da infração praticada e esta poderia ter apresentado recurso ao Conselho Consultivo, conforme observado no Regimento, ou seja, ao invés de recorrer da infração que lhe foi imposta, preferiu contra notificar o Condomínio. De posse da contra notificação, apresentou impugnação, bem como envio à condômina de mídia reprográfica contendo fotos e vídeos gravados pelo morador do apartamento de baixo, e curiosamente Denise se esqueceu de informar ao Juízo tais informações na petição inicial, mas a mídia foi depositada em cartório. Houve ampla defesa e contraditório por parte da Denise, mesmo em inadequação da via eleita e em contrapartida houve a prática de infração, o que justifica a aplicação da multa (fls. 160/168).
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A autora apresentou contrarrazões
pugnando pelo improvimento do apelo. Houve julgamento antecipado do feito, porque as provas constantes nos autos já elucidavam a lide. Insta destacar que se produzidas, tais provas não conseguirão abalar as já produzidas nos autos, eis que a violação de princípios constitucionais se mostra clara e cristalina. O Condomínio impôs multa em tempo recorde de dois dias, ferindo e lesando a Constituição Federal, sem qualquer direito de defesa ou explanações por parte da apelada (fls. 178/183).
O apelante manifestou sua oposição ao julgamento virtual (fls. 189).
É o relatório .
Sustenta a autora que foi multada pelo
condomínio por suposta infração ocorrida em 02/02/2019, sem que lhe fosse assegurado o contraditório e ampla defesa. Por considerar ilegal a conduta do réu, ajuizou a presente demanda objetivando a concessão de tutela provisória para obstar a cobrança e, ao final, a anulação da multa.
Em sua defesa, o réu confirmou a
imposição da multa e defendeu sua legalidade, porquanto a infração cometida e o procedimento adotado para sua imposição tem previsão no regulamento interno.
Verifica-se dos autos que, por
correspondência datada de 04/02/2019, a autora foi comunicada da imposição de multa, no valor de R$ 297,00, com vencimento em
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20/02/2019, em razão de suposta infração cometida no dia 02/02/2019 (fls. 19/21). No referido documento não existe qualquer observação de que é possível à condômina recorrer da imposição da multa.
Por sua vez, a autora apresentou
notificação impugnando a imposição da multa e requereu sua anulação (fls. 22/24).
Ato contínuo, o réu apresentou suas
justificativas para manutenção da multa, apontando existência de provas do cometimento da infração (fls. 109/111).
Constata-se que o art. 76 do Regimento
Interno estabelece que as penalidades serão aplicadas pelo síndico, cabendo ao infrator recurso perante o Conselho Consultivo, no prazo de 10 dias da data da comunicação da penalidade, não tendo o recurso efeito suspensivo (fls. 82).
Pretende o condomínio a reforma da
sentença sustentando que a autora teve oportunidade de se defender. Alega que houve cerceamento de defesa, pois não foi conferida oportunidade para produção de prova testemunhal e depoimento pessoal.
Todavia, é descabida a arguição de
cerceamento de defesa, visto que as questões postas ao crivo do digno Magistrado estavam suficientemente comprovadas através da prova documental juntada pelas partes. Qualquer outra prova, inclusive a testemunhal, era desnecessária, pois todos os elementos para possibilitar a análise das especificidades da causa estavam nos autos. Assim, os
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aspectos fáticos da demanda estavam suficientemente elucidados, prescindindo, assim, da reclamada dilação probatória.
Não é ocioso lembrar que o juiz não
está obrigado a produzir todas as provas requeridas pelas partes, caso as dos autos já sejam suficientes para ter formada sua convicção, podendo indeferir as que considerar desnecessárias e procrastinatórias e determinar outras, tudo, com o escopo de velar pela rápida e segura solução do litígio.
Aliás, o art. 370 do CPC prescreve que:
“Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte,
determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.
Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada,
as diligências inúteis ou meramente protelatórias”.
Ademais, o art. 355, I, do CPC,
estabelece que: “O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando: I não houver necessidade de produção de outras provas”.
Nesse sentido a jurisprudência do
Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ):
“Nos termos da reiterada jurisprudência desta Corte
Superior, ‘a tutela jurisdicional deve ser prestada de
modo a conter todos os elementos que possibilitem a
compreensão da controvérsia, bem como as razões
determinantes de decisão, como limites ao livre
convencimento do juiz, que deve formá-lo com base em
qualquer dos meios de prova admitidos em direito
material, hipótese em que não há que se falar em
cerceamento de defesa pelo julgamento antecipado da
lide’ e que ‘o magistrado tem o poder-dever de julgar
antecipadamente a lide, desprezando a realização de
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audiência para a produção de prova testemunhal, ao
constatar que o acervo documental acostado aos autos
possui suficiente força probante para nortear e instruir
seu entendimento’ (REsp nº 102303/PE, Rel. Min.
Vicente Leal, DJ de 17/05/99) …” [AgRg no REsp
614221-PR Agravo Regimental no Recurso Especial
nº 2003/0218840-8, 1ª Turma, Rel. Min. JOSÉ
DELGADO, v.u., j. em 18/5/04, em DJ de 7/6/2004, pág.
171].
É verdade que houve um certo debate a
respeito da imposição da multa na esfera administrativa. A autora recebeu
comunicado da imposição e boleto para pagamento no mesmo mês.
Enviou notificação e recebeu resposta.
Ocorre que a imposição da multa, antes
mesmo de oferecer oportunidade de discussão, ofende regras comezinhas
de direito. Os princípios do contraditório e da ampla de defesa são
basilares em nossa sociedade e devem ser respeitados mesmo nas
relações de direito privado. O direito de defesa deve ser prévio e não
contemporâneo ou posterior à imposição da penalidade.
Nesse sentido esta Corte já decidiu:
“CONDOMÍNIO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE
NULIDADE. MULTA POR INFRAÇÃO A NORMAS
CONDOMINIAIS. CONDICIONAMENTO DO
PROTOCOLO DO RECURSO AO PRÉVIO
PAGAMENTO DO VALOR DA MULTA. VIOLAÇÃO
AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA
AMPLA DEFESA. NULIDADE DAS CLÁUSULAS DO
REGIMENTO INTERNO E CONVENÇÃO
CONDOMINIAL. ADEQUADA FIXAÇÃO DE
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS, MONTANTE QUE
SE ELEVA EM VIRTUDE DA SUCUMBÊNCIA EM
PLANO RECURSAL. RECURSO IMPROVIDO, COM
OBSERVAÇÃO. 1. A imposição de multa por conduta
violadora de normas de convivência entre condôminos
está sujeita à prévia observância dos princípios do
contraditório e da ampla defesa. A imposição da pena
só pode ocorrer após o exercício do direito de defesa,
que não pode ser condicionado ao prévio pagamento
do valor da multa. 2. Não comporta acolhimento o
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pleito de redução da verba honorária sucumbencial,
considerando que o montante fixado bem atende à
realidade da causa e guarda estrita conformidade com
o artigo 85, §§ 2º e 8º, do CPC. 3. Diante desse
resultado, e na forma do artigo 85, § 11, do CPC,
impõe-se elevar o montante da verba honorária
sucumbencial a R$ 2.400.00.” (Apelação nº
1004597-38.2018.8.26.0010 Relator Desembargador
Antonio Rigolin Julgado em 30/10/2019).
“AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE
MULTA CONDOMINIAL EFICÁCIA HORIZONTAL
DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO
AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO DEVEM SER
OBSERVADOS NAS RELAÇÕES ENTRE
CONDOMÍNIO/CONDÔMINO PRECEDENTES DO E.
STJ ONERAÇÃO SEM OPORTUNIDADE DE
DEFESA PRÉVIA POSSIBILIDADE DE
INTERPOSIÇÃO DE RECURSO À ASSEMBLEIA
GERAL, SEM EFEITO SUSPENSIVO, NÃO SE
CONFUNDE COM DEFESA PRÉVIA
INEXIGIBILIDADE DA MULTA MANTIDA
HONORÁRIAS RECURSAIS FIXADAS RECURSO
IMPROVIDO.” (Apelação nº
1045030-56.3015.8.26.0506 Relator Desembargador
Francisco Casconi Julgado em 02/04/2018).
Por tais fundamentos, a r. sentença
desmerece reparos devendo, ao contrário, ser mantida, pois bem resolveu
as questões postas sob exame.
Levando em conta o trabalho adicional
realizado em grau recursal, elevo os honorários advocatícios do patrono
da apelada para R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais), nos termos do art. 85,
Posto isso, por meu voto, nego
provimento ao recurso e, levando em conta o trabalho adicional
realizado em grau recursal, elevo os honorários advocatícios do patrono
da apelada para R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais), nos termos do art. 85,
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Assinatura Eletrônica
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