Inteiro Teor
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Segunda Câmara Cível
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000965-11.2012.8.19.0209
APELANTE: AMAURY DABUL
APELADO : CONDOMÍNIO DO EDIFICIO QUEEN ELIZABETH
RELATOR: DESEMBARGADOR ALEXANDRE FREITAS CÂMARA
Demanda proposta em face de Condomínio para impugnar multa aplicada por violação a norma constante da Convenção Condominial. Alegação de violação à ampla defesa e ao contraditório. Fatos incontroversos. Apelante que recebeu notificação informando sobre a futura aplicação de multa, oportunizando-se-lhe o prazo de quinze dias para apresentação de defesa, pedindo a reconsideração da imposição da penalidade. Condômino que se manteve inerte e, após, pagou a multa. Direito de recorrer que também poderia ter sido exercido em reunião do Conselho Consultivo, à qual o apelante tampouco compareceu. Anterior previsão da penalidade nas normas condominiais, bem como da conduta ensejadora desta. Provas que comprovam o respeito ao contraditório e à ampla defesa. Desprovimento do recurso.
VISTOS, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível nº 000096511.2012.8.19.0209, em que é Apelante AMAURY DABUL e Apelado CONDOMÍNIO DO EDIFICIO QUEEN ELIZABETH.
ACORDAM, por unanimidade de votos, os Desembargadores que compõem a Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em negar provimento ao recurso.
Des. ALEXANDRE FREITAS CÂMARA
Relator
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Inicialmente, cumpre destacar que os fatos são incontroversos, tendo o autor, de modo rude, expulsado a faxineira do elevador no momento em que ela cumpria com as obrigações que lhe foram ordenadas pela síndica do Condomínio réu.
Cinge-se a controvérsia ao cabimento ou não da penalidade de multa em face dos fatos ocorridos e à verificação de se o direito de defesa foi devidamente respeitado.
A Convenção Condominial no item 15, da Cláusula 69 veda:
“fazer algazarra, gritar, discutir ou conversar em voz alta nas partes comuns do prédio, bem como usar linguagem descabida, infringindo assim as normas de educação.”
A penalidade de multa encontra previsão no item 17 do Regulamento Interno do Condomínio:
“Pela transgressão de normas ou pela falha de cumprimento das obrigações previstas neste Regulamento, o condômino responsável será advertido por escrito pelo síndico e em seguida, estará sujeito ao pagamento de multa equivalente a 50% do valor da cota condominial ordinária, vigente para a coluna 01, a qual, em caso de reincidência, será aplicada em dobro.”
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Observa-se a previsão da vedação de conduta que configure violação aos padrões da boa educação bem como da penalidade cabível para o caso.
De acordo com a narração dos fatos, o autor teria desrespeitado a faxineira, perdendo o controle sobre sua irritação, agindo de maneira exagerada, falando alto e expulsando a do elevador, no qual cumpria com suas funções, sem que existisse algum motivo razoável que pudesse justificar suas atitudes.
Está claro que a conduta do apelante ultrapassou os limites da boa educação, do respeito ao próximo, tendo se prevalecido da posição de empregada da faxineira, para tratá-la sem a dignidade merecida. Tal conduta merece ser repreendida de maneira razoável e adequada, observando-se as normas do Condomínio.
O Regulamento Interno traz previsão de que o infrator de norma condominial deverá ser advertido da sua conduta e sofrerá penalidade de multa. Assim, tendo a conduta do apelante violado norma constante da Convenção do Condomínio, são perfeitamente aplicáveis a advertência e a multa de 50% do valor da cota condominial.
Dessa forma, no que tange ao cabimento da penalidade de multa em decorrência dos fatos narrados, não houve nenhum abuso de direito por parte do Condomínio-apelado.
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Passa-se a analisar se houve observância dos princípios do
contraditório e da ampla defesa, os quais são inegavelmente aplicáveis mesmo
quando se trata de relações jurídicas de direito privado. Neste sentido, aliás, já
se manifestou o Supremo Tribunal Federal:
EMENTA: SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais. III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS
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LUCRATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. As associações privadas que exercem função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social, integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não-estatal. A União Brasileira de Compositores – UBC, sociedade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do ECAD e, portanto, assume posição privilegiada para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucional, onera consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras. A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88). IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO.
(RE 201819, Relator (a): Min. ELLEN GRACIE, Relator (a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 11/10/2005, DJ 27-10-2006 PP-00064 EMENT VOL-02253-04 PP00577 RTJ VOL-00209-02 PP-00821)
De acordo com o documento de fls. 151, foi enviada carta de
notificação ao apelante no dia 14 de novembro de 2011, tendo sido declarado
no dia 17 de novembro de 2011 que o apelante se recusou a assinar.
Nesse documento, constava que o apelante receberia
cobrança de multa pelos fatos narrados acima, no próximo boleto do
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condomínio, tendo sido aberto prazo de 15 dias para postular a reconsideração da penalidade.
O boleto de cobrança, conforme fls. 51, previa como data de vencimento o dia 10 de dezembro de 2011, ou seja, da data da notificação até a data da cobrança da multa, decorreram mais de 15 dias, lapso temporal suficiente para que o apelante tivesse apresentado defesa para que fosse reconsiderada a penalidade imposta.
Vale ressaltar que o apelante, no item 4 do “mérito recursal” de sua apelação, afirmou que no dia 17 de novembro de 2011 se recusou a receber a notificação. Essa afirmação demonstra que o apelante tomou conhecimento de que sofreria uma penalidade futuramente, tendo sido alcançado, portanto, o objetivo da notificação.
É de bom alvitre salientar que o apelante tomou conhecimento, também no dia 17 de janeiro de 2012, de que haveria uma reunião do Conselho Consultivo naquela mesma noite, sendo-lhe oportunizado o exercício do direito de recorrer da penalidade aplicada, informação esta que se extrai de documento emitido pelo próprio apelante em fls. 126.
Dessa forma, constata-se que o Condomínio-apelado assegurou a observância do contraditório quando da aplicação da penalidade
o apelante, não havendo violação a nenhum direito do recorrente.
Não merecem, pois, prosperar as razões do apelante.
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Por todo o exposto, vota-se por negar provimento ao recurso, mantendo-se a sentença tal como prolatada.
Rio de Janeiro, 30 de outubro de 2013.
Des. ALEXANDRE FREITAS CÂMARA
Relator