Inteiro Teor
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
7ª Câmara de Direito Privado
Registro: 2020.0001019539
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1029579-77.2017.8.26.0002, da Comarca de São Paulo, em que é apelante CONDOMÍNIO RESIDENCIAL FLÁVIA, é apelado JOSE ELENILDO DE SOUSA.
ACORDAM , em sessão permanente e virtual da 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U. , de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores LUIZ ANTONIO COSTA (Presidente sem voto), MARIA DE LOURDES LOPEZ GIL E JOSÉ RUBENS QUEIROZ GOMES.
São Paulo, 15 de dezembro de 2020.
RÔMOLO RUSSO
Relator
Assinatura Eletrônica
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7ª Câmara de Direito Privado
Voto nº 30.535
Apelação nº 1029579-77.2017.8.26.0002
Comarca: São Paulo 6ª Vara Cível F Reg Santo Amaro
Ação: Demolitória
Apelante: Condomínio Residencial Flávia
Apelado: José Elenildo de Sousa
AÇÃO DEMOLITÓRIA. Teórico cerceamento de defesa fundado na necessidade de segunda perícia. Segunda perícia que deve ocorrer quando os fatos examinados não estiverem suficientemente esclarecidos ou para sanar omissão ou inexatidão (art. 480 do CPC). Perícia suficiente à aferição da extensão do imóvel ocupada pelo segundo piso. Complementação da prova desnecessária não se caracterizando o cerceamento de defesa.
Convenção condominial que condiciona às obras que possam alterar a fachada do imóvel aprovação do síndico. Ausência de norma especificando os padrões construtivos a serem observados pelas fachadas das habitações. Interpretação do conselho consultivo no sentido de que os imóveis devem conservar a cobertura do primeiro pavimento por telhado com extensão mínima de 12 metros da frente ao fundo para que não percam a característica de casas térreas. Edificação do segundo piso que ultrapassou 18cm de tal limite, restando a cobertura por telhado na extensão de 11,82m (98,5% da cobertura mínima). Diferença diminuta (1,5%) que não importa em descaracterização da habitação como térrea, sublinhando-se que as construções artesanais estão sujeitas a pequenas variações. Hipótese dos autos em que não se evidencia violação à convenção condominial, inexistindo base jurídica à determinação de desfazimento da obra. Sentença mantida. Recurso desprovido.
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Insurge-se a autora contra a r. sentença que julgou improcedente o pedido demolitório (fls. 327/329).
Afirma que o apelado, objetivando promover alterações em sua unidade habitacional, apresentou croqui para aprovação pelo síndico e conselheiros, prevendo a ampliação da área superior localizada aos fundos do imóvel por sobre a área de serviço.
Houve a aprovação do projeto, contudo, limitando a remoção do telhado à parede de divisa entre a cozinha e a sala.
No transcorrer da obra, observou-se que o apelado excedeu o aludido limite em aproximadamente um metro.
Destaca que a convenção de condomínio condiciona a realização de obras na fachada do imóvel à prévia autorização do síndico e do conselho consultivo.
Argumenta que o laudo pericial fora lavrado de forma parcial, constituindo-se em defesa do réu, o que impunha a ampliação da fase probatória, caracterizando-se o cerceamento de defesa. Requer o provimento da apelação (fls. 332/352).
Recurso preparado e não respondido.
É o relatório.
A apelante afirma a ocorrência de cerceamento de defesa pela não realização de segunda perícia.
Houve o deferimento de exame pericial das obras realizadas no imóvel, a bem de que fosse verificado se houve o cumprimento dos termos da autorização prestada pelo síndico e conselho consultivo.
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Embora a apelante afirma que o laudo pericial não considerou a planta original do imóvel para a delimitação da área passível de edificação de segundo piso, observa que o expert expressamente tratou de tal ponto, verbis:
“Ocorre que a casa do Réu já sofreu diversas mudanças, sendo certo que a parede que divide a sala da cozinha não está mais na mesma posição original da construção da residência.
Por conta deste fato não há como avaliar visualmente se a ampliação foi feita ou não além das medidas dadas pela autorização (parede de divisa entre a sala e a cozinha, na planta original do imóvel).
Restou então avaliarmos as medidas, tanto das obras de ampliação quanto da distância da parede de referência (divisa sala/cozinha), partindo do muro de fundos do imóvel, utilizando como medida padrão de referência a planta original da construção.
Desta feita este signatário buscou, na planta original do imóvel, as medidas entre o muro de fundos da residência as paredes que delimitam os cômodos do imóvel” (fls. 208).
De igual modo, a representação fotográfica de imóveis no loteamento com segundo pavimento edificado sem as restrições impostas ao réu é pertinente ao julgamento da demanda, não implicando em parcialidade do perito.
Além disso, somente deve haver segunda perícia quando os fatos examinados não estiverem suficientemente esclarecidos, na forma do art. 480 do CPC, verbis:
“Art. 480. O juiz determinará, de ofício ou a requerimento da parte, a realização de nova perícia quando a matéria não estiver suficientemente esclarecida.
§ 1º A segunda perícia tem por objeto os mesmos fatos sobre os quais recaiu a primeira e destina-se a corrigir eventual omissão ou inexatidão dos resultados a que esta conduziu.
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§ 2º A segunda perícia rege-se pelas disposições estabelecidas para a primeira.
§ 3º A segunda perícia não substitui a primeira, cabendo ao juiz apreciar o valor de uma e de outra”.
A hipótese dos autos, portanto, não demanda a realização de nova perícia, não se caracterizando o alegado cerceamento de defesa.
Quanto ao mérito recursal, cabe marcarse ter sido concedida autorização para ampliação do segundo piso nos seguintes termos, verbis:
“inicialmente deliberaram sobre o pedido de autorização de reforma do imóvel localizado na Rua Três, 30, consistente na ampliação da área superior localizada aos fundos do imóvel, onde atualmente está localizada a lavanderia. Esclareceu o Sr. Síndico que esteve no imóvel juntamente com o proprietário Sr. José Elenildo, ocasião em que o mesmo explicou o que pretendia fazer. Naquela ocasião o proprietário foi informado do limite que poderia descobrir o telhado para dita ampliação, qual seja, até a parede de divisa entre a sala com a cozinha, considerando-se a planta original do imóvel. Neste ato o Sr. José Elenildo apresenta o ‘croqui’ de sua reforma e desde que o limite que ficou estabelecido para esse tipo de ampliação seja respeitado (descobrindo-se o telhado da casa até a mencionada parece de divisão entre sala e cozinha) os presentes entendem que não há qualquer objeção por parte da administração e do conselho do condomínio na realização da reforma solicitada, haja vista demais outras autorizações no mesmo sentido” (fls. 57).
Considerando-se estritamente as dimensões da planta original do imóvel, o perito judicial apurou o avanço do piso superior em direção à frente do imóvel em 18cm dos limites construtivos estabelecidos pelo conselho consultivo, verbis:
“De acordo com a planta original do imóvel, e do loteamento, as medias a serem consideradas são as seguintes:
Medida livre entre o muro e a parede externa da cozinha é de 5,28 metros.
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Medida livre, interna, da cozinha é de 2,30 metros.
Também devemos lembrar as espessuras do muro e das paredes e de todos os seus revestimentos que totalizam 0,675 metros (muro externo=0,20 + parede da cozinha=0,20 + parede cozinha/sala = 0,15 + 5 revestimentos de parede de 0,025 =0,125).
Portanto, de acordo com o projeto original da residência, a distância total entre o muro de divisa e a parede de divisa entre a sala e a cozinha, de acordo com os projetos seria de 8,26 metros.
Portanto, de acordo com as medidas de projeto, temos que a distância máxima de ampliação do andar superior, embutida na autorização passada pelo condomínio era de 8,26 metros medidos a partir do muro de fundos do imóvel.
[…] medindo-se a ampliação levada a cabo pelo Réu, a partir da parede de divisa entre o quintal e a cozinha (referenciados na planta original) temos que a ampliação foi de 3,16 metros.
Portanto, somando-se a medida do quintal 5,28 metros com os 3,16 metros medidos na ampliação, o comprimento total aferido foi de 8,44 metros.
Desta feita, pelas medidas aproximadas obtidas, o Réu teria avançado 18 centímetros além do limite embutido na autorização” (fls. 208/210).
Constatado o avanço do segundo piso em 18cm do limite autorizado, resta examinar se houve violação das normas de edificação que imponham ao proprietário a adequação de seu imóvel.
A apelante, em sua petição inicial, afirma que a convenção de condomínio aprovada em 2008 passou a condicionar as obras que importassem em alteração da fachada à aprovação pelo síndico, a bem de evitar a descaracterização dos imóveis em prejuízo à harmonia das construções, de modo que, verbis:
“o ‘Corpo Diretivo Condominial’ composto pelo sindico, conselho e sub sindico, passou então a deliberar que as reformas aos fundos das casas térreas com o objetivo de se fazer um segundo andar, não poderá ultrapassar o limite da parede interna que divide a sala com a cozinha, considerandose a configuração original do imóvel, ou seja, no segundo andar o condômino pode até destelhar a casa até o limite
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dessa parede interna para edificar, com o que se preserva 12 metros de telhado, não descaracterizando assim a casa como térrea” (fls. 04).
A convenção condominial, por sua vez, não especifica os limites a serem observados na reforma ou ampliação dos imóveis, apenas condicionando a alteração da fachada à aprovação pelo síndico, verbis:
“Cláusula 39ª É Proibido:
i) modificar a fachada de sua unidade ou fazer obras de grande porte sem a prévia autorização do conselho consultivo e síndico” (fls. 51).
Não há, portanto, determinação na convenção de condomínio de manutenção de telhado com 12 metros de extensão da frente ao fundo do terreno para não descaracterização da casa como térrea.
Tal exigência decorre de entendimento do conselho consultivo de que a redução da cobertura do primeiro piso por telhado em extensão inferior a 12 metros consubstanciaria alteração de fachada.
No entanto, trata-se somente da interpretação conferida à convenção condominial pelo conselho consultivo, o que não obsta o exame judicial acerca da efetiva ocorrência de alteração da fachada na hipótese dos autos, na qual a obra impugnada excedeu o aludido limite em 18cm, mantendo 11,82 metros de telhado.
Pois bem. A convenção condominial veda a alteração da fachada dos imóveis sem autorização do síndico, sendo razoável a vedação de transformação das casas térreas em sobrados, com correlata descaracterização das habitações.
Por outro lado, as fotografias encartadas pela própria apelante (fls. 123/127) evidencia a inexistência de padrão de cores, texturas e matérias empregados nos acabamentos e esquadrias das fachadas, estando o controle das
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reformas limitado à extensão horizontal do segundo piso.
Comparando-se a fachada do imóvel do apelado (fls. 74) com as demais ilustradas nos autos, não se evidencia sua descaracterização ou a quebra da harmonia com os demais imóveis, sobretudo em face da diminuta transposição do limite para edificação do segundo piso em apenas 18cm, representando a redução do telhado do primeiro piso em 1,5% de sua medida ideal de 12 metros.
Ou seja, o telhado do primeiro piso apresenta 98,5% da profundida que deveria ter, variação que deve ser aceita, considerando-se o caráter artesanal da obra, sujeito a imprecisões.
Tal diferença na extensão do telhado
tampouco descaracteriza o imóvel como casa térrea.
Não se justifica, portanto, a pretensão ao desfazimento da obra, sendo imperativa a manutenção da r. sentença.
Por esses fundamentos, meu voto nega provimento ao recurso, e, com fundamento no art. 85, XI, do CPC, majoro em 3% a condenação da autora no pagamento de honorários sucumbenciais.
RÔMOLO RUSSO
Relator